quinta-feira, 8 de junho de 2017

JUVINO CÉSAR PAES BARRETO

Juvino César Paes Barreto nasceu na cidade de Aliança, Pernambuco, em 2 de fevereiro de 1847, quando os ideais revolucionários de mudanças na Europa atingiam seu mais alto ponto de ebulição. No ano seguinte, Karl Marx e Friedrich Engels publicaram o “Manifesto do Partido Comunista” (Londres, 24 de fevereiro), no qual definiam os princípios da revolução proletária. Semanas depois estouraram revoltas populares em quase todo o “mundo ocidental desenvolvido e algumas áreas da periferia atrasada”.
Filho de Leandro César Paes Barreto, revolucionário que foi preso na Revolução Praieira na província de Pernambuco em 1848, levado à Fernando de Noronha para cumprir pena por comandar um batalhão que se rebelara. Leandro César deixara em casa a esposa, Umbelina de Medeiros César e os filhos, Sifrônio, Júlio e Juvino.
Com a anistia, Leandro César Paes Barreto voltou ao Recife às atividades de pequeno comerciante. Adormecido o ímpeto revolucionário, não se distanciou das preocupações sociais. Em 1856, estourou uma epidemia de cólera e ele engajou-se no trabalho de transportar e cuidar das vítimas. Acabou contraindo a doença. Morreu o ano seguinte, deixando a família em estado de extrema pobreza. Órfão aos 10 anos, Juvino Barreto foi morar com a família em Nazaré da Mata, Pernambuco. Junto aos amigos do pai, conseguiu um emprego de caixeiro. Trabalhava de dia na loja e à noite em uma pequena oficina de encadernação e recuperação de livros, montada em casa. Do trabalho de livreiro era que vinham os melhores ganhos para a renda familiar.
Em 1859, dois dos irmãos Barretos, Júlio e Juvino, eram sócios na firma Júlio & Irmão Ltda., atuando no mercado potiguar. Como mascate, Juvino comprava nos Guarapes, ao velho Fabrício Gomes Pedroza, natural de Nazaré da Mata, gêneros para a subsistência e utensílios para a sobrevivência com os senhores de Guarapes, saiu o casamento com uma das netas do velho Fabrício, dona Inês Augusta de Albuquerque Maranhão, filha do também pernambucano de Nazaré, Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão. Depois de casado, Juvino regressou para o Recife, para onde transferiu a firma em sociedade com o irmão.
Longa e negra, sua barba so fazia realçar o ar de ferocidade que já lhe era natural e que a verdade escondia uma “caridade recatada” e um coração de filantropo que dispensava reconhecimentos públicos. Engajado na campanha para a libertação dos escravos, em 1871 abriu em Macaíba uma das primeiras lojas abolicionistas da província e, em 1887, fundou no Recife, com Barros Sobrinho, João Ramos e outros, o “Clube do Cupim”, loja abolicionista que patrocinaria a compra de alforrias para negros escravos. No ano seguinte, assinou em Natal o manifesto de 1º de Janeiro da “Libertadora Norte-Riograndense”, integrando uma das comissões executivas criadas para “libertar” a cidade dos 29 escravos que ainda não tinham sido alforriados. Pela luta contra a escravidão, recebeu a Ordem da Rosa.
No Rio Grande do Norte, o governo provincial tentou impulsionar a industrialização com a fundação do “Engenho Central”, em 1875, projetado para ter máquinas a vapor e uma produção anual estimada em até 500 toneladas inglesas de açúcar. Investidores foram contactados, o capital não apareceu e a idéia acabou arquivada. Dois anos depos, o presidente da província, Antônio dos Passos Miranda, retomou o projeto e assinou contrato para a construção do engenho com o comerciante Amaro Barreto de Albuquerer Maranhão, que procurou investidores na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas a iniciativa estava fadada a não sair do papel. O Ano de 1877 foi de seca. A catástrofe dos flagelados se repetia no interior da Província e Passos de Miranda, convicto de que só a indústria romperia o ciclo de estiagens, pobreza e fome, contratou o mesmo Amaro Barreto para abrir uma fábrica de fiação e tecelagem em Natal, oferecendo novos empregos e lançando as bases para uma nova economia.
Entre o sonho de Juvino Barreto de mecanizar o aproveitamento do algodão produzido no Rio Grande do Norte e uma nova realidade para a economia local estava a falta de capital para a compra dos teares. O terreno para as instalações ele já tinha: uma área de oito mil metros quadrados, no começo da rua da Cruz (antiga Junqueira Aires, hoje Câmara Cascudo), às margens dos trilhos da Imperial Brazilian Natal and Nova Cruz Railway Ltda. Eram muitos os que não acreditavam no êxito de uma fábrica de tecidos em Natal e se recusaram a constituir o capital necessário. Sozinho, Juvino Barreto lutou 11 anos. Em 24 de maio de 1886 lançou a pedra fundamental da fábrica. Viajou para a Inglaterra, onde adquiriu o maquinário e acertou a vinda de técnicos, hipotecando bens e os rendimentos futuros. Em 21 de julho de 1888, inaugurou a Fábrica de Fiação e Tecidos Natal.
Preocupado com a seca, que trazia consigo a miséria, o presidente da província, Passos de Miranda, convenceu-se de que só com o impulso à industrialização poderia enfrentar o desemprego e a fome. Ofereceu, então, a Amaro Barreto, a possibilidade de abrir uma fábrica de tecelegam. Mas quem entusiasmou com a idéia foi o genro de Amaro, Juvino Barreto.
O presidente da província, Antonio Francisco Pereira de Carvalho, saudou em discurso a nova fábrica como uma realização do esforço pessoal de Juvno Barreto. Agradecendo, o mais novo industrial chamou a atenção dos presentes para detalhes mais significativos: “Meus senhores: o meu maior prazer não é ter conseguido montar esta pequena fábrica. O que me alegra, e o que, com toda certeza, vos merecerá maior atenção, é ver o grande e sublime quadro que está à vossa vista. São os oitenta operários, filhos desta província, abrigados no trabalho. Contemplai-os! Eles podem dizer: temos certo ganhar dignamente para toda a nossa vida o pão para nós e para nossos filhos! ”
Adepto da teoria que defendia a função social do capital e do trabalho, Juvino Barreto mandou erguer, junto ao galpão da fábrica, escola, capela e casas para os operários. Organizou banda musical e implantou um sistema de assistência médica integral e jornadas regulares de trabalho.
Para ajudar no serviço de caridade aos pobres, desistiu de fumar e passou a entregar semanalmente à “Conferência de São Vicente de Paula”, mantida pelos frades da ordem vicentina, os 200 contos de réis que gastaria em cigarros.
Vinte anos depois de instalada – e 17 depois da morte do seu criador – a Fábrica de Tecidos Natal tinha 320 operários. A administração idealizada por ele teve continuidade com o filho, Sérgio Paes Barreto, mas os negócios já atravessavam dificuldades. A concorrência com a indústria têxtil do Sudeste, mais capacitada para renovar os investimentos na modernização da produção, e com os tecidos finos importados aos ingleses, não deixava muitas opções de mercado para a Fábrica de Natal.
Em 1923, uma greve por melhores salários, iniciada pelos estivadores do Porto de Natal, acabou por receber a adesão dos trabalhadores nos transportes de cargas, padeiros e operários da fábrica. Em 1925, Sérgio Barreto desistiu de tentar recuperar a fábrica, fechou as portas e transferiu-se para o Rio de Janeiro. A industrialização do Rio Grande do Norte só voltaria a ser retomada na década de 70. O prédio da fábrica de tecidos acabou nas mãos da firma Nóbrega & Dantas, exportadora de algodão, até ser destruído em um incêndio. Anos mais tarde, a área foi ocupada por uma agência da Caixa Econômica Federal, instalada até hoje no local.
Juvino Barreto morreu no dia 9de Abril de 1901, aos 68 anos, no palacete que mandara construir em frente à fábrica de tecidos e ao casarão de Pedro Velho e onde hoje está situado o Colégio Salesiano. Tivera 14 filhos; 12 estavam vivos. O enterro, na manhã do dia seguinte, seguiu de trem para o cemitério do Alecrim. Manuel Dantas, redator da primeira página do jornal “ A República”, descrevendo a comoção que tomou conta da cidade com o desaparecimento do industrial, calculou que “3 mil pessoas lotaram os vários vagões do comboio”. Eram pessoas de várias classes sociais, mas principalmente pobres que recebiam as ajudas do filantropo. O comércio fechou as portas, consulados estrangeiros hastearam as bandeiras a meio-mastro e navios que estavam no porto apitaram em sinal de pesar. À beira do túmulo, discurso de Pedro Avelino, o companheiro de lutas abolicionistas e republicanas, e de Segundo Wanderley, o poeta Parnasiano oficial da cidade.
As obras filantrópicas deixadas por Juvino Barreto experimentavam vida mais longa que a sua fábrica de tecidos, mas quase nenhuma continua a ostentar a marca do seu nome. O estigma das ligações familiares e de lealdade que estabeleceu com a oligarquia Maranhão foi mais forte que a memória de pioneiro da industrialização, abolicionista e republicano.
Depois de 1909, o nome de Juvino Barreto só voltaria a uma obra filantrópica em 1944, com a fundação do abrigo para idosos pela Legião Brasileira de Assistência, o Abrigo Juvino Barreto, hoje localizado na Avenida Alexandrino de Alencar, em Natal.
Em testamento, o Juvino Barreto deixou 10 mil contos de réis para a instalação de um colégio para meninos, outro para meninas e um hospital. Os projetos educacionais permitiriam a criação do Colégio Santo Antônio, administrados pelos irmãos Maristas, e do Colégio da Conceição, administrado pelas irmãs Dorothéias. Com o dinheiro que seria para o Hospital, o governador Alberto Maranhão, casado com uma filha de Juvino Barreto, comprou para o Estado a velha mansão da família Maranhão, localizada no “Monte”, em Petrópolis. Para lá, depois dos trabalhos de reforma, transferiu o Hospital da Caridade que funcionava no prédio onde hoje é a Casa do Estudante. As obras se arrastaram por quatro anos.
Relembrando Juvino Barreto, trina e nove anos depois da morte dele, Câmara Cascudo foi quem pareceu melhor entender o espírito do velho industrial, traduzindo na abertura da Acta Diurna de 30 de Janeiro de 1940 a homenagem que, certamente, ele gostaria de ter visto perdurar. “Espreitando as nuvens, sobre os telhados vermelhos, sobre a grande chaminé inútil. Nenhum rolo de fumo anuncia vida fabril. Derredor não há o matraquear dos fusos e o vozerio dos operários. São escritórios e depósitos de algodão. A chaminé não tem justificativa lógica nem razão material. É apenas o pilone de um templo desaparecido, monólito marcando a sepultura de um grande sonho industrial. Tudo se modificou à sua volta. Desapareceram homens, edifícios, programas, ordens, comboios lentos, cantos de recreio, vozes de taboada, sonoridades de órgãos. Do seu tempo, restam as palmeiras imperiais, desdenhosas e lindas, movendo os altos flabelos ao vento morno da tarde. Essa chaminé, emergindo do casario indiferente, é um monumento à Juvino César Paes Barreto.

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